Beatriz chegou na vida da família Capirazi quando tinha só 1 ano e 3 meses. Sua história começou difícil, porque sua mãe biológica a alugava para pedir esmolas nas ruas. Até que uma denúncia levou o Conselho Tutelar a tirá-la dessa situação e colocá-la num abrigo. Lá, ela ficou por um ano, até acabar na casa da professora Maria Tereza Bergamin e do projetista Ariovaldo Arcas Capirazi, lá na Lapa, em São Paulo. Esse casal, que tinha perdido um filho na gestação, decidiu que era hora de adotar uma criança — um sonho antigo de Tereza. “O primeiro presente que minha cunhada deu à Beatriz foi um livrinho”, lembra Tereza. “E isso virou tradição: a cada aniversário, mais livros. Não demorou pra Beatriz se apaixonar por ler e escrever, ela estava sempre com um livro embaixo do braço.”
Agora, com apenas 26 anos, Beatriz Capirazi, que era repórter no Broadcast desde abril, nos deixou na madrugada de domingo, por conta de uma parada cardiorrespiratória. Formada no Curso de Jornalismo Econômico do Estadão/Broadcast em 2022, ela cobria temas ligados a ESG (questões ambientais, sociais e de governança) e, mais recentemente, cuidava da área de saúde na Agência Estado.
A mãe conta que na semana passada, a Bia começou a se sentir mal — com crises de ansiedade, tontura e falta de ar. Passou por exames, mas nada de anormal foi encontrado. Mesmo assim, as idas e vindas ao hospital continuaram até o sábado. Nesse dia, a situação se agravou: ela desmaiou, e o pai, desesperado, tentou reanimá-la com massagem cardíaca. Quando o Samu chegou, já era tarde demais.
Beatriz era o tipo de pessoa que trazia alegria pra casa desde o primeiro dia. Com seus grandes olhos escuros, a mãe brincava que elas se pareciam tanto que a madrinha de Bia “nem acreditava”. O cabelo cacheado grosso era o orgulho dela, e cortar “só um dedinho” era sempre uma batalha. Gostava de coxinha, pastel e brigadeiro. E tinha aquele jeito perfeccionista, bem exigente, mas sempre sorridente.
Na redação, todo mundo conhecia a Bia por essa energia. Beth Moreira, colega dela no Broadcast, diz que Bia sempre fazia mais do que pediam. “Ela era dedicada e queria que tudo saísse perfeito, nunca deixava a gente na mão.” Já Luana Pavani, que foi mentora dela no curso de focas, lembra de um projeto sobre criptomoedas que Bia levou tão a sério que voltou com um material além do esperado. “Tinha que dizer pra ela parar, porque ela não sabia a hora de descansar. Chamávamos ela de ‘Bia, a incansável’.”
Carla Miranda, que coordena os cursos de jornalismo do Estadão, viu na Bia um talento promissor desde o começo. Ela se destacou tanto que acabou ficando no Grupo Estado após o curso, mesmo sendo disputada por outras editorias. “Ela era decidida, sabia o que queria, mas, diferente de muita gente, não se afastava. Criou laços fortes com todo mundo.”
Jean Mendes, outro colega que fez o curso com Bia, ainda estava muito abalado pra falar. “Ela se tornou minha melhor amiga aqui em São Paulo”, disse. “A gente chegava cedo no Estadão, tomava café juntos, e eu sempre admirei como ela era comprometida, mas também sabia ser brincalhona e acolhedora.”
Renata Leite, também do curso, conta que a Bia a acolheu desde o começo. “A gente tinha histórias parecidas, ambas adotadas, e até falávamos de pautas sobre adoção que queríamos fazer juntas.” Bia, aliás, escreveu um livro durante a faculdade, chamado “Vidas Sucateadas – Um olhar sobre a devolução de crianças adotadas”. Ela entrevistou jovens, psicólogos e até frequentou a Vara da Família para entender melhor o tema. O plano dela era escrever um segundo livro, sobre o que acontece com jovens que saem de abrigos ao completar 18 anos.
Tereza, a mãe, fala com orgulho dos feitos da filha. Beatriz entrou na Unip em terceiro lugar no curso de Jornalismo e se formou com honras. “Na formatura, o professor Sergio Braga fez questão de nos dizer que ela era uma aluna brilhante, que queria ter uma Bia em cada turma.”
Na última semana, até o cachorro da família, um fox paulistinha que Beatriz adorava, ficou estranho, mais quieto, como se pressentisse algo. Na sexta e no sábado, mãe e filha passaram o tempo juntas assistindo a um dorama na Netflix, rindo das cenas bobas e aproveitando a companhia uma da outra. “Rimos muito”, conta Tereza, emocionada.
O velório da Bia vai ser no Cemitério da Lapa, a partir das 10h, e o enterro será às 14h30 da segunda-feira, dia 11.