‘Quem vai morrer não avisa’, diz médica em caso que termina em tragédia em Cascavel/PR

A morte precoce de uma mulher de 36 anos, vítima de dengue hemorrágica, abalou a cidade de Cascavel, no Paraná, e trouxe à tona questões delicadas sobre o atendimento nos serviços de saúde pública. A tragédia, ocorrida em abril de 2024, desencadeou uma ação judicial contra o Hospital Municipal de Retaguarda, o Município de Cascavel e o Estado do Paraná. A família da vítima alega que erros graves no atendimento contribuíram diretamente para o desfecho fatal e busca justiça para evitar que outros passem pela mesma dor.

O início de uma tragédia anunciada

No dia 19 de abril de 2024, a paciente procurou a UPA Brasília apresentando sintomas característicos de dengue, como febre alta, dores no corpo e mal-estar. Apesar do quadro clínico evidente, nenhum exame laboratorial foi realizado, o que poderia ter ajudado a identificar o início de uma forma grave da doença.

Nos dias seguintes, a saúde da mulher piorou. Na noite de 22 de abril, ela buscou atendimento no Hospital Municipal de Retaguarda. Segundo relatos da família, a situação já era crítica: ela mal conseguia caminhar de tanta dor e precisou ser colocada em uma cadeira de rodas ao chegar ao local.

Ainda assim, o atendimento médico foi superficial. A médica responsável realizou apenas um exame clínico rápido, descartou a necessidade de investigações mais aprofundadas e prescreveu dipirona e soro. A paciente foi mantida em observação por cerca de uma hora e, em seguida, liberada.

Um dos momentos mais marcantes desse episódio foi o desabafo da mulher, que teria dito à médica que sentia que iria morrer. De acordo com sua irmã, a resposta da profissional foi desdenhosa: “Quem vai morrer não avisa.” Essa frase, que demonstra insensibilidade, deixou uma marca profunda na família.

O pior acontece

Na madrugada de 23 de abril, o estado da paciente piorou drasticamente. Com febre alta e vômitos, ela precisou ser socorrida pelo SAMU e levada de volta à UPA Brasília. Apesar da gravidade, enfrentou longas horas de espera por um leito de UTI que nunca chegou a ser disponibilizado.

Por volta das 9h, sofreu uma parada cardiorrespiratória e foi reanimada, mas o corpo não resistiu. Às 13h58, veio a óbito. O laudo de necrópsia confirmou a causa da morte: dengue hemorrágica.

A família afirma que o desfecho poderia ter sido evitado. Exames simples, como um hemograma, teriam possibilitado a identificação precoce da gravidade da doença e o início de um tratamento adequado.

Consequências devastadoras

Além da dor emocional, a perda da mulher trouxe consequências financeiras para a família. Sua filha, que na época era estudante, ficou desamparada, já que a mãe era a única provedora da casa. Hoje, a jovem depende de uma pensão por morte que é insuficiente para cobrir as despesas básicas.

A família, representada pela mãe, irmã e filha da vítima, entrou com uma ação judicial para responsabilizar os entes públicos. Eles pedem indenização por danos morais e materiais, destacando que a negligência no atendimento configurou uma grave falha no sistema de saúde. “Um simples exame de sangue poderia ter salvado a vida dela”, diz o texto da petição inicial.

Decisões judiciais em andamento

Ontem (20), o juiz Eduardo Villa Coimbra Campos proferiu um despacho exigindo que os autores da ação comprovem sua hipossuficiência econômica em até 15 dias. A apresentação de documentos como comprovantes de renda, despesas mensais e certidões negativas de bens será crucial para garantir o benefício da gratuidade judicial.

Além disso, o magistrado apontou a necessidade de adequações no processo. O Hospital Municipal de Retaguarda não possui personalidade jurídica própria, devendo ser substituído pelo ente público responsável por sua administração. Também foi solicitado que a conduta específica do Estado do Paraná seja melhor detalhada.

Reflexões sobre a saúde pública

O caso expõe falhas graves no sistema de saúde, desde a falta de exames básicos até a demora para conseguir um leito de UTI. Situações como essa reforçam a importância de repensar os protocolos de atendimento e investir em melhorias na infraestrutura hospitalar.

A luta da família por justiça não é apenas para reparar sua própria dor, mas também para alertar sobre a urgência de mudanças no sistema. Afinal, vidas perdidas por negligência não podem ser vistas como números em estatísticas, mas como histórias que precisam ser honradas e protegidas.

A CGN continuará acompanhando o caso.



Recomendamos