O assassinato de Vitória Regina de Sousa, de apenas 17 anos, reacendeu um debate importante no meio jurídico e na sociedade: o uso do termo “crime passional” para descrever casos de violência que envolvem relações afetivas. O delegado Aldo Galiano, responsável pela investigação, sugeriu que o homicídio da jovem pode ter sido motivado por questões emocionais, porém especialistas alertam para a inadequação desse conceito dentro do Direito Penal.
O caso de Vitória
Vitória foi encontrada morta no dia 5 de março em uma área de mata em Cajamar, na Grande São Paulo. O corpo da jovem apresentava sinais de violência extrema, com a cabeça raspada e o pescoço cortado. A brutalidade do crime chocou a opinião pública e levantou discussões sobre a necessidade de uma abordagem mais rigorosa para casos como esse.
A polícia investiga o envolvimento de um homem identificado como Daniel, que, segundo informações preliminares, mantinha um relacionamento com o ex-namorado de Vitória. Outros dois suspeitos teriam ajudado na execução do crime e na ocultação do corpo.
O problema do termo “crime passional”
O termo “crime passional” tem sido amplamente utilizado para descrever homicídios que envolvem sentimentos como ciúme e vingança dentro de relações afetivas. No entanto, essa classificação não existe no Código Penal Brasileiro e tem sido cada vez mais contestada por especialistas do Direito e da Criminologia.
O professor Rodrigo Azevedo, especialista em Ciências Criminais da PUC-RS, explica que o conceito de “crime passional” pode gerar interpretações equivocadas e até mesmo atenuar a gravidade da violência cometida. Segundo ele, quando o crime ocorre dentro de uma relação conjugal ou motivado por questões de gênero, o mais adequado é enquadrá-lo como feminicídio ou violência contra a mulher.
“O termo ‘violência contra a mulher’ é mais preciso, pois deixa claro que estamos lidando com um crime misógino, resultado do machismo estrutural e da tentativa de controle sobre a vítima. Existem diversas formas de violência: psicológica, física, moral, sexual e feminicídio. O ideal é utilizar uma terminologia que reflita essa realidade”, explica Azevedo.
A origem histórica e os impactos da expressão
A expressão “crime passional” tem raízes em uma visão ultrapassada do papel da mulher na sociedade. A advogada Vanessa Paiva, especialista em violência doméstica, destaca que a terminologia deriva de um entendimento jurídico antiquado, presente em códigos civis anteriores, que enxergavam a mulher como propriedade do marido.
“Esse conceito parte da ideia de que o homem, tomado pela emoção, foi levado ao ‘erro’ pela vítima. No passado, essa justificativa era aceita, permitindo até mesmo absolvições com base na chamada ‘legítima defesa da honra’”, afirma Paiva.
Essa interpretação, segundo especialistas, é extremamente prejudicial, pois transfere parte da culpa para a vítima, como se seu comportamento ou decisões pessoais fossem responsáveis pelo ato criminoso.
O risco de atenuação da pena
Quando um crime é tratado como “passional”, há o risco de que o agressor receba uma pena mais branda. No Direito Penal, emoções intensas podem ser consideradas como atenuantes na aplicação da sentença. Assim, em alguns casos, a defesa pode argumentar que o réu agiu sob forte emoção e, com isso, tentar reduzir sua pena.
Para Azevedo, essa abordagem relativiza a gravidade da violência e contribui para a impunidade.
“A expressão banaliza o crime e, muitas vezes, leva à diminuição da pena. O correto é reconhecer que estamos diante de um caso de homicídio, feminicídio ou lesão corporal, aplicando as penas de acordo com a legislação vigente”, pontua o professor.
Diante dessas questões, cresce a defesa por uma mudança na forma como esses crimes são tratados tanto pela mídia quanto pelo sistema judiciário. Termos como “crime passional” precisam ser substituídos por classificações mais precisas, que não abram espaço para interpretações que possam favorecer os agressores.
O que fazer em casos de violência?
Se você presenciar uma situação de violência contra a mulher ou souber de alguém que esteja em risco, denuncie. O Brasil conta com canais específicos para receber esse tipo de denúncia e garantir a segurança das vítimas.
• Ligue 190: Em casos de emergência, a Polícia Militar pode ser acionada imediatamente.
• Disque 180: A Central de Atendimento à Mulher oferece suporte e orientação sobre como proceder em casos de violência doméstica.
• Disque 100: Canal destinado a denúncias de violações dos direitos humanos, incluindo violência de gênero.
A violência contra a mulher é um problema grave e precisa ser combatida com rigor. Substituir termos antiquados, garantir que os criminosos sejam devidamente responsabilizados e oferecer apoio às vítimas são passos fundamentais para avançarmos no enfrentamento dessa realidade.