Desafios da Igreja Católica nos EUA: O Legado de Francisco e o Futuro Incerto

Desafios da Igreja Católica nos EUA: O Legado de Francisco e o Futuro Incerto

A Igreja Católica nos Estados Unidos, uma das maiores comunidades católicas do mundo, tem enfrentado uma série de desafios significativos nos últimos anos. Em um país onde a religiosidade ainda desempenha um papel importante, a igreja se vê em meio a um turbilhão de questões sociais, políticas e de liderança. Mesmo a figura do papa Francisco, que chegou ao pontificado com uma proposta de modernização e abertura, não conseguiu escapar das dificuldades que cercam a instituição.

A Comunidade Católica Americana em Números

Os Estados Unidos ocupam a quarta posição em número de católicos, atrás apenas do Brasil, México e Filipinas, conforme dados do Anuário Estatístico Eclesiástico do Vaticano. Atualmente, cerca de 20% da população americana se identifica como católica, segundo o instituto de pesquisa Pew Research. Esse número, embora se mantenha estável desde 2014, representa uma queda em relação a 2007, quando 24% da população se considerava católica.

Com uma população adulta estimada em 267 milhões em 2024, isso significa que aproximadamente 53 milhões de americanos se identificam como católicos. Apesar de o número de católicos em todo o mundo ter aumentado de 1,254 bilhão em 2013 para 1,378 bilhão em 2024, esse crescimento se concentrou majoritariamente em países do Sul Global, como Brasil e Nigéria, enquanto na Europa e América do Norte, observa-se uma estagnação ou até mesmo uma queda.

A Queda na Popularidade do Papa Francisco

A popularidade do papa Francisco também viu uma diminuição nos Estados Unidos ao longo dos anos. Um levantamento do Pew Research revelou que, em 2024, apenas 75% dos católicos americanos tinham uma visão positiva do papa, um declínio significativo em relação ao pico de 90% registrado em 2015, quando ele fez sua primeira visita ao país durante o governo de Barack Obama.

Igor Alves, doutor em História da Cultura e professor de Relações Internacionais da FAAP, observa que a empolgação inicial com a chegada de um novo papa foi substituída por frustração. Isso se deu principalmente pela percepção de que Francisco, com suas posturas progressistas, estava abordando temas que antes eram considerados tabus dentro da Igreja. A mudança no cenário político, com a ascensão de figuras conservadoras como Donald Trump, também influenciou essa mudança de percepção.

Polarização e a Ascensão do Conservadorismo

No contexto da polarização política nos Estados Unidos, as ações do papa começaram a ser vistas mais como atos políticos do que religiosos. Com o avanço do conservadorismo, organizações católicas tradicionalistas como a Eternal Word Television Network e o Napa Institute ganharam espaço, promovendo conferências que defendem agendas conservadoras. Esses ambientes passaram a criticar abertamente o papa, especialmente em relação a questões como mudanças climáticas e a aceitação de casais do mesmo sexo.

O estilo mais informal de Francisco, que inclui comentários sobre temas do cotidiano, como futebol e a cultura brasileira, também gerou desconforto em um país onde a religião é vista com uma seriedade extrema. Para muitos, essa leveza no discurso pode parecer inadequada.

O Impacto das Eleições de 2024

As eleições de 2024 mostraram um aumento na influência do conservadorismo dentro da comunidade católica. Um estudo de boca de urna revelou que 59% dos católicos votaram em Trump, um aumento de 12 pontos percentuais em relação a 2020. Essa mudança reflete uma crescente divisão entre os católicos americanos e as visões progressistas defendidas por Francisco.

Divergências entre Francisco e Trump

Historicamente, a relação entre o papa e os presidentes dos Estados Unidos tem sido complexa. Francisco adotou uma postura diplomática em relação a Obama e Biden, mesmo com discordâncias em temas como aborto. Entretanto, sua relação com Trump foi marcada por tensões, especialmente em questões de imigração e meio ambiente. O papa criticou abertamente as políticas de Trump, afirmando que um líder que constrói muros em vez de pontes não poderia se considerar cristão.

Escândalos e Críticas Internas

Dois casos envolvendo cardeais americanos também contribuíram para a desaceleração do apoio a Francisco. O escândalo do cardeal Theodore McCarrick, acusado de abusos sexuais, e o embate com o cardeal Raymond Burke, um crítico vocal das reformas do papa, geraram controvérsias e desconfiança entre os fiéis. A retirada de privilégios de Burke pelo papa foi um sinal claro das tensões internas dentro da Igreja.

O Futuro da Igreja Católica nos EUA

Com a morte recente de Francisco, a relação entre os americanos e a Igreja Católica entra em um novo capítulo. A expectativa é que o próximo papa enfrente os desafios de um cenário político cada vez mais polarizado. Independentemente de quem seja o novo líder, a Igreja Católica nos Estados Unidos terá que se adaptar a um ambiente em constante mudança, onde os valores tradicionais e as novas ideias frequentemente colidem.

Em resumo, a trajetória da Igreja Católica nos EUA nas últimas décadas revela um panorama complexo, marcado por tensões internas, desafios externos e uma luta por relevância em um mundo em transformação. Os católicos americanos se deparam com questões que exigem reflexão e diálogo, buscando um caminho que respeite tanto suas tradições quanto as demandas contemporâneas.