COP30: A Voz dos Povos Tradicionais e a Luta pelo Acesso ao Financiamento Climático
A 30ª Conferência das Partes, a COP30, está sendo um palco essencial para discutir e evidenciar as demandas sociais que são cada vez mais relevantes no combate às mudanças climáticas. Entre os vários temas debatidos, destaca-se o acesso direto ao financiamento climático, um assunto que toca diretamente a vida de muitos povos tradicionais, como indígenas, afrodescendentes e ribeirinhos.
Desde que o Brasil foi escolhido como sede da conferência, as comunidades locais se mobilizaram para expressar a sua insatisfação com a falta de representatividade nas discussões. Documentos formais e manifestações públicas foram criados, com o intuito de furar o bloqueio de segurança imposto pela ONU em Belém. Essa situação evidencia uma necessidade urgente de que as vozes desses povos sejam ouvidas e suas demandas atendidas.
Raquel Biderman, vice-presidente sênior da América do Sul na Conservation International, ressalta que o financiamento climático, apesar de já ser escasso, é ainda mais limitado quando se trata dos recursos destinados às comunidades que habitam os ecossistemas responsáveis por armazenar carbono. Isso é preocupante, pois dados indicam que cerca de 30% das soluções climáticas podem ser encontradas na natureza.
Aquecimento Global e o Papel dos Povos Tradicionais
O aquecimento global, que é impulsionado pelo acúmulo de carbono na atmosfera, é um dos maiores desafios enfrentados pela humanidade atualmente. As atividades econômicas humanas são as principais responsáveis por esse problema, e os estoques de carbono mantidos por comunidades tradicionais são fundamentais para a mitigação desse impacto. É essencial entender que essas populações não apenas preservam a floresta, mas também ajudam a manter o equilíbrio climático.
Um dos objetivos centrais da luta contra as mudanças climáticas é evitar que a temperatura média global suba mais de 1,5 ºC em relação aos níveis pré-industriais. Essa mudança, se não controlada, pode levar a transformações irreversíveis na atmosfera e aumentar a frequência de fenômenos climáticos extremos.
Atualmente, apenas 3% das finanças climáticas são direcionadas para a natureza, e dos 3%, apenas 1% chega aos povos que vivem nessas áreas. Isso é alarmante, e justifica a onda de protestos e manifestações que estamos observando durante a COP30. As comunidades querem acesso direto aos recursos que lhes permitirão continuar vivendo em harmonia com a floresta.
O Papel dos Povos Indígenas na Amazônia
No Brasil, de acordo com o Censo de 2022, há cerca de 1,7 milhão de indígenas, somando-se a 511 povos na Amazônia, sendo 391 apenas no território brasileiro. Essas populações têm uma relação histórica e harmônica com a floresta, gerenciando e utilizando recursos naturais de forma sustentável. Essa interação é vital para garantir que o carbono não seja liberado na atmosfera.
Raquel menciona que já existem modelos de remuneração por serviços ambientais, que funcionam, mas que carecem de financiamento adequado. Entre os serviços prestados por essas comunidades, estão práticas de ecoturismo e a produção sustentável através de agroflorestas. Esses modos de vida são fundamentais não apenas para a cultura e sustento dos povos, mas também para a segurança alimentar e para a saúde do planeta.
Novas Soluções e Desafios
Durante a COP30, o debate sobre a remuneração de populações tradicionais ganhou mais espaço. Iniciativas como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) foram propostas como formas de financiar esses serviços. Apesar da quantidade de recursos comprometidos por países devedores do clima, a quantia ainda é insuficiente, segundo a especialista.
O Banco Mundial estima que seriam necessários cerca de US$ 7 bilhões por ano para conservar a Amazônia, mas atualmente, o investimento gira em torno de apenas US$ 600 milhões. Essa lacuna financeira é um chamado à ação para repensar as estratégias de financiamento e apoio às comunidades que vivem no coração da floresta.
Diversificação e Sustentabilidade
Historicamente, as políticas públicas voltadas para povos tradicionais foram inconsistentes, com variações que dificultavam a regularidade de recursos. No entanto, Raquel observa um esforço crescente para diversificar os modelos de financiamento climático, combinando práticas antigas com novas abordagens, como o mercado de carbono e iniciativas de negócios sustentáveis.
Ela também enfatiza que, em uma região tão culturalmente diversa como a Amazônia, é crucial ter cuidado com os contratos de financiamento climático. O envolvimento de comunidades, ONGs e o setor financeiro é vital para o sucesso dessas iniciativas.
Desafios e Oportunidades na Bioeconomia
Além disso, as economias ilegais, ligadas ao tráfico de drogas e armas, representam uma ameaça significativa para os povos tradicionais. Raquel sugere que, ao proporcionar alternativas de economia legítima, é possível reduzir a tentação de jovens se envolverem com essas atividades criminosas.
A bioeconomia surge como uma solução viável para conectar as populações tradicionais aos seus territórios, ao mesmo tempo em que diminui o risco de aliciamento. Existem mais de 100 cadeias de produtos da Amazônia que podem se tornar fontes de renda, permitindo que as famílias mantenham seus modos de vida tradicionais sem recorrer ao crime.
Em suma, a COP30 não é apenas uma conferência sobre clima, mas um espaço de luta e reivindicação. A participação ativa dos povos tradicionais é fundamental para garantir que suas vozes e necessidades sejam consideradas nas soluções climáticas. A luta por um acesso justo ao financiamento climático é um passo necessário para assegurar a preservação da Amazônia e a dignidade dessas comunidades.