O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, virou, nos últimos meses, o alvo preferencial da velha mídia corporativa e de setores graúdos do sistema financeiro. Isso não aconteceu por acaso. Moraes passou a ocupar o centro do tabuleiro político depois das condenações impostas ao núcleo bolsonarista envolvido na tentativa de golpe de Estado. A partir daí, deixou de ser apenas um operador institucional e passou a incomodar interesses que vão muito além da política partidária.
Não se trata aqui de sair em defesa de uma suposta “reação do Estado” ou de transformar o ministro em herói. O ponto é outro. O que se vê é um movimento antigo, quase automático, em que personagens do sistema são expostos publicamente no exato momento em que deixam de ser úteis a interesses econômicos e editoriais bem definidos. A história brasileira, aliás, está cheia desses exemplos.
Nos últimos dias, reportagens, colunas e notas passaram a explorar jantares, encontros informais e contratos ligados a Moraes, como se esses fatos laterais fossem, de repente, o centro de tudo. A engrenagem é conhecida. Personaliza-se o conflito, desloca-se o foco do problema estrutural e constrói-se um personagem conveniente para o desgaste público. Funciona bem, rende clique, rende manchete e cria uma sensação artificial de escândalo.
Aqui vale um ajuste histórico importante, que muita gente prefere ignorar. Durante a ditadura militar, esses mesmos polos de poder flertaram abertamente com os torturadores do regime. Sustentaram o algoz enquanto ele garantiu estabilidade, disciplina social e, principalmente, ganhos econômicos. Quando o custo internacional e interno ficou alto demais, soltaram a mão sem cerimônia. A conta, como sempre, ficou com os porões da história.
Na Lava Jato, o roteiro se repetiu quase sem alterações. O punitivismo seletivo foi celebrado, financiado e amplificado enquanto serviu para reorganizar o poder, concentrar capital e produzir dividendos políticos. Quando os excessos vieram à tona, muitos dos que aplaudiram passaram a agir como se nunca tivessem participado do espetáculo. As feridas institucionais seguem abertas até hoje.
No ciclo atual, Alexandre de Moraes passou a concentrar esse papel depois de conduzir e concluir julgamentos que condenaram o núcleo bolsonarista pela tentativa de golpe. Não é uma defesa automática de seus métodos ou decisões, longe disso. Mas o efeito político é claro: o algoz do momento se torna intolerável quando começa a incomodar estruturas maiores, mais sensíveis e, sobretudo, mais poderosas.
O caso envolvendo o Banco Master ajuda a entender esse ponto de inflexão. A tensão com a Faria Lima não nasce de meme, nem de postagem em rede social. Ela se acentua quando o ministro Dias Toffoli determina a realização de acareações no inquérito que apura fraudes envolvendo o Master e o BRB. Ali, sob luz direta, aparecem engrenagens do sistema financeiro que normalmente operam longe dos holofotes.
A acareação é o nervo exposto dessa história. Colocar frente a frente o dono do Banco Master, o ex-presidente do BRB e um diretor do Banco Central não é só comparar versões. É olhar o método. É levantar a pergunta incômoda: e se o Master não for um desvio isolado, mas um retrato cru do funcionamento do sistema? Prometer ganhos fora da curva, empurrar risco para a sociedade e chamar isso de “normalidade financeira”.
Quando o espelho aparece, a reação não é moral. É defensiva.
A resposta veio em bloco. Entidades que representam cerca de 90% do setor bancário divulgaram nota pública em defesa do Banco Central, falando em “insegurança jurídica” e exaltando a autonomia técnica da autoridade monetária. O gesto não é neutro, nem inocente. Ele revela onde está o nervo sensível do poder.
É nesse ponto que o conluio de método fica evidente. A velha mídia fornece a moldura narrativa. O sistema financeiro, que capturou o Banco Central sob o discurso da independência, oferece o respaldo político e simbólico. Na prática, essa independência tornou a instituição mais permeável aos abutres da Faria Lima e menos responsiva ao interesse público.
A máxima segue válida. Oligarquias usam o Estado enquanto ele garante lucro e previsibilidade. Quando o jogo muda, soltam a mão do algoz e constroem outro enredo. Não é teoria. É história.