Em uma manhã quente de agosto de 1676, o silêncio do convento de Palma di Montechiaro, na Sicília, foi quebrado por um incidente que deixaria sua marca na história. A irmã Maria Crocifissa della Concezione, de apenas 31 anos, foi encontrada desmaiada no chão de sua cela, o rosto manchado de tinta preta. Nas mãos, ela segurava um documento que, desde então, intrigaria gerações de pesquisadores: a enigmática Carta do Diabo.
O texto, composto por 14 linhas de símbolos indecifráveis, deu início a teorias que variaram de possessão demoníaca a delírios místicos. Quem era a mente por trás daquela escrita bizarra? E o que as misteriosas mensagens tentavam dizer?
Uma Investigação Séculos Depois
Ao longo dos anos, inúmeros estudiosos tentaram desvendar o código da carta. Foi apenas em 2017 que Daniele Abate, diretor do Centro de Ciências Ludum, liderou uma equipe capaz de trazer novos avanços. Utilizando softwares de decodificação, sua equipe analisou o conteúdo com uma abordagem científica moderna.

“Parece taquigrafia”, explicou Abate em entrevista à Live Science. A combinação de alfabetos antigos – gregos, latinos, rúnicos e até caracteres árabes – era incomum e exigia um trabalho meticuloso para separar padrões e identificar significado.

Um Retrato de Fé e Sofrimento
Mas entender o contexto de quem escreveu o documento é tão importante quanto decifrar o texto. A irmã Maria entrou para o convento ainda adolescente, aos 15 anos, dedicando sua vida ao serviço de Deus. Entretanto, relatos sugerem que ela enfrentava episódios de angústia espiritual. Algumas fontes históricas descrevem lutas noturnas nas quais ela acreditava combater forças demoníacas.
A questão da saúde mental é frequentemente levantada em casos como o dela. A sociedade do século XVII via fenômenos como histeria e epilepsia de maneira muito diferente do que entendemos hoje. Ao examinar o caso, Abate destacou: “Qualquer decifração histórica precisa considerar o estado psicológico do autor. Sem isso, o contexto se perde.”
As Palavras do Outro Lado
Os pesquisadores fizeram mais do que apenas olhar símbolos. Eles exploraram as frequências das letras, a repetição de padrões e o uso de sílabas para construir hipóteses sobre o conteúdo. Surpreendentemente, parte do texto revelou frases como: “Deus acha que pode libertar os mortais. O sistema não funciona para ninguém”.
Ainda mais intrigante, a carta faz referência a Styx, o lendário rio que separa o mundo dos vivos do submundo na mitologia grega e romana. Essa ligação metafórica adiciona profundidade ao mistério. A irmã Maria realmente acreditava estar em comunicação com forças sobrenaturais, ou seus escritos eram reflexos de uma mente atormentada por dúvidas e crises de fé?
Tecnologia e Tradição de Mãos Dadas
A equipe de Abate usou algoritmos para comparar os símbolos taquigráficos com línguas antigas. Essa combinação de tecnologia e análise histórica revelou mais do que o significado literal: trouxe à tona uma história de crença, medo e conflito interno.
Embora os pesquisadores não tenham decifrado o texto por completo, o trabalho mostra como ciência e história se entrelaçam. A Carta do Diabo permanece, ao mesmo tempo, um mistério decifrado e um lembrete do que significa ser humano – uma mistura de fé, dúvida e a busca eterna por respostas.