Alfiere Eduardo Bompani e Tarcisio Tadeu Spricigo vivenciaram um período próspero em suas carreiras eclesiásticas nos primeiros anos do novo milênio. Embora tenham servido em diferentes cidades de São Paulo simultaneamente, não cruzaram seus caminhos naquela época. Ambos contribuíram para a literatura da doutrina católica, escrevendo livros que os tornaram populares em suas respectivas missas. No entanto, havia algo além da religião que os unia: ambos foram alvo de investigações, resultando em suas prisões sob a acusação de abuso contra crianças e adolescentes.
Durante as investigações, foram encontrados manuscritos em posse deles, que descreviam de forma perturbadora os abusos, manifestando-se como diários e manuais destes abusos as crianças. O conteúdo desses escritos causou grande impacto nos investigadores pela minuciosidade dos detalhes, incluindo várias instruções sobre como cometer esses crimes sem serem descobertos.
Os cadernos apreendidos na residência paroquial de Alfieri serviram como evidência dos delitos. Os relatos contidos nessas anotações, escritas de forma explícita e obscena, descreviam situações em que o padre se masturbava na presença das vítimas jovens abusadas, as tocava ou exigia sua participação nessas práticas.
Dentre os manuscritos, foi encontrado um livro intitulado “Contos homoss-exuais”, escrito pelo sacerdote, no qual são narrados abusos contra menores, inclusive descrevendo situações de penetração.
As histórias dos criminosos estão documentadas no livro “Abusos na Igreja – um dossiê inédito sobre casos de abusos envolvendo padres católicos no Brasil” (Máquina de Livros, 2023), que pela primeira vez reúne os casos de abusos cometidos por religiosos contra menores de idade no país. Após três anos de pesquisa, foram catalogados 108 sacerdotes acusados de abusar de pelo menos 148 crianças e adolescentes. Dentre esses, sessenta foram condenados.
Alfieri utilizava o Sítio Nazaré, localizado em Salto de Pirapora, Sorocaba, como cenário para perpetrar os abusos. Nessa instituição de caridade, que ele fundou em 1999, o padre acolhia crianças carentes.
Os abusos contra os residentes ocorriam a cada visita, e a polícia só começou a investigar depois que uma das vítimas fez uma denúncia. Os meninos que estavam sob os cuidados da instituição foram chamados para prestar depoimento.
Alfieri foi indiciado pela Polícia Civil de São Paulo e, em setembro de 2003, o Ministério Público o denunciou por crimes de atentado violento ao pudor. Em dezembro de 2004, a sentença de primeira instância foi proferida, condenando Alfieri a uma pena de 92 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão em regime fechado. No entanto, ele obteve sucesso em seu recurso na segunda instância, resultando na redução de sua pena para 48 anos, 7 meses e 12 dias de reclusão, com previsão de término em 2032.
Após 13 anos de prisão, Alfieri Bompani se pronunciou sobre as acusações, defendendo-se ao afirmar que os escritos encontrados, nos quais ele abordava a temática do homoss-exualismo, foram erroneamente interpretados como sendo práticas suas. Ele negou ter praticado qualquer um daqueles atos.
Tarcisio Tadeu Spricigo causou vítimas em três estados durante um período de quase 15 anos, de 2000 a 2014. Durante a investigação conduzida pelo delegado Paulo Calil, que na época era delegado de Agudos, foram descobertos manuais de abusos a menores escritos por Spricigo. Muitos desses materiais foram apreendidos na casa paroquial, encontrados em uma gaveta trancada à chave de uma escrivaninha antiga, com estilo remetendo ao período do Brasil-Império.