Na última terça-feira (19), um ônibus lotado de afegãos que haviam acabado de ser deportados do Irã acabou se envolvendo em um acidente terrível no Afeganistão, transformando o que seria apenas uma longa viagem em uma verdadeira tragédia. Segundo autoridades locais, dezenas de pessoas perderam a vida, entre elas homens, mulheres e até crianças que não tiveram chance de escapar.
De acordo com o porta-voz do governador da província de Herat, Mufti Mohammad Yousuf Saeedi, pelo menos 76 pessoas morreram após a colisão do veículo em uma rodovia da região. O ônibus tinha saído de Islam Qala, cidade que fica na fronteira com o Irã, e seguia em direção à capital Cabul. Durante o trajeto, o motorista perdeu o controle, o veículo bateu e logo em seguida pegou fogo. O cenário foi descrito por testemunhas como desesperador.
Vídeos gravados por moradores mostram o ônibus em chamas, envolto por uma nuvem de fumaça preta que se espalhava pela estrada. Já nas fotos divulgadas pela imprensa afegã, é possível ver apenas a carcaça queimada, praticamente irreconhecível. As vítimas carbonizadas foram levadas ao hospital da província, segundo informou Ahmadullah Muttaqi, diretor do Departamento de Informação e Cultura de Herat.
Esse acidente trágico não pode ser analisado isoladamente. Ele acontece em meio a uma crise humanitária crescente na região, especialmente por conta das deportações em massa que o Irã vem promovendo contra cidadãos afegãos que viviam em seu território sem documentação. Muitos desses imigrantes trabalhavam em condições duras, em subempregos, tentando mandar algum dinheiro de volta para suas famílias no Afeganistão.
Nos últimos meses, Teerã vem apertando ainda mais a fiscalização e já declarou publicamente que pretende retirar milhões de afegãos de seu país. A pressão aumentou principalmente depois do conflito recente com Israel, quando surgiram acusações – nunca comprovadas – de que alguns afegãos estariam atuando como espiões.
A Organização das Nações Unidas divulgou números alarmantes: só nas duas primeiras semanas depois do fim da guerra entre Irã e Israel, em junho, mais de 500 mil afegãos foram deportados. É um dos maiores deslocamentos forçados que o mundo viu nesta década, comparável ao fluxo de refugiados sírios anos atrás ou até mesmo ao movimento de ucranianos após a invasão russa.
Grande parte desses afegãos deportados vivia no Irã há anos, alguns até décadas, construindo uma vida precária, mas pelo menos estável. Muitos deixaram para trás empregos, casas improvisadas e amigos. A cada dia que passa, cresce a sensação de insegurança, tanto para quem continua no Irã de forma irregular quanto para quem é obrigado a voltar a um Afeganistão que ainda enfrenta problemas graves de pobreza, desemprego e repressão.
O episódio do ônibus em Herat acabou se tornando um retrato cruel dessa realidade: pessoas expulsas de um país em busca de sobrevivência e que acabam encontrando a morte em uma estrada qualquer, longe de casa, sem apoio, sem acolhida. Nas redes sociais, fotos do acidente circularam rapidamente e geraram comoção, inclusive entre ativistas de direitos humanos que cobram respostas tanto do Irã quanto do próprio governo afegão, acusado de não oferecer suporte adequado a seus cidadãos retornados.
Enquanto a comunidade internacional se limita a emitir notas de repúdio, famílias inteiras continuam sendo deportadas e obrigadas a atravessar fronteiras carregando apenas sacolas de plástico com o pouco que possuem. O acidente de terça-feira não foi apenas mais um desastre rodoviário – foi também um lembrete doloroso da negligência global diante da crise dos afegãos, que seguem invisíveis no cenário internacional.